sábado, 18 de abril de 2015

PENSE DIFERENTE: CONHEÇA UM JOGO DE BARBANTE DIFERENTE

***********

KÃCHI KATUKINA DO ACRE VIRA EXPOSIÇÃO NO PARANÁ


Zélia Maria Bonamigo

Após fazer a afirmação de que “só povo Katukina sabe fazer kãchi”, jogo de barbante conhecido em português como cama de gato, Nivaldo Rodrigues da Silva Katukina (Mame) me explicou em entrevista que na aldeia “até criança de quatro anos já sabe fazer kãchi, e as crianças brincam tanto na escola quanto em casa. Não tem pessoa de outra terra indígena nem turista que sabe brincar esse jogo como o povo Katukina”.
A entrevista foi por mim realizada após saber da chegada de Mame e Wisi (pai e filho) na capital paranaense e de serem acolhidos por Edilene Coffaci de Lima, doutora em Antropologia Social pela USP, professora na UFPR e pesquisadora do CNPq. O primeiro contato da pesquisadora com o povo Katukina começou em 1991. A antropóloga pesquisou seu modo de viver por 18 meses. Dali por diante a sua atenção dirigiu-se ao estudo de temas que resultaram na dissertação de mestrado, “Katukina: história e organização social de um grupo pano do Alto Juruá” (1994), e na tese de doutorado,Com os olhos da serpente. Homens, animais e espíritos nas concepções Katukina sobre a natureza” (2000).
Os estudos localizam esse povo no Acre, em duas terras indígenas: uma é a do rio Gregório, no município de Tarauacá (AC); a outra é a do rio Campinas, na fronteira dos estados do Amazonas e do Acre, que tem Cruzeiro do Sul (AC) como a cidade mais próxima. A população na época era de 318 pessoas (somando as duas comunidades), atualmente é de aproximadamente 800 pessoas, indicando uma vigorosa recuperação demográfica.

Edilene Coffaci de Lima, doutora em Antropologia Social pela USP, professora na UFPR, pesquisadora do CNPq, curadora da exposição, e Nivaldo Rodrigues da Silva Katukina (Mame).
 Segundo a pesquisadora, “as muletas que aparecem na foto são reais: Mame foi picado por uma cobra em 2011 e teve parte da perna amputada”.
Crédito: Ramiro Gabriel Garcia, estudante de Ciências Sociais, em 2011.


“Minha aldeia utiliza muito o kãchi”


No decorrer do tempo da pesquisa entre os Katukinas, a antropóloga foi acolhida pela família de Nivaldo Rodrigues da Silva Katukina (Mame), como explica:

 [...] foi morando um tempo na casa de familiares de Mame que um dia um rapaz, sobrinho (filho da irmã) do Mame, resolveu me mostrar um kãchi. Daí em diante chegaram outras pessoas para me mostrar outros kãchi, com outros desenhos, que podiam realizar. Pouco a pouco montei uma modesta coleção, que não era sequer relacionada às temáticas de minhas pesquisas.

O jeito Katukina de fazer kãchi é diferente dos outros, garante Nivaldo Rodrigues da Silva Katukina:

Na minha aldeia se utiliza muito o kãchi. Em casa mãe e filhos brincam muito; quando chega parente de outra aldeia eles brincam muito dentro de casa.
Todos sabem kãchi na aldeia, meninos e meninas, homens e mulheres, mas os homens jogam mais. Olha, minha mãe é muito antiga e ela sabe contar bem a historia do kãchi. Ela ensina para todos, oralmente, com quem ela aprendeu. Tudo isso ela conta e ensina kãchi para todos nós. São muitas as figuras que todos nós sabemos fazer. Jovem que joga mais kãchi aprende mais de como começou a história do kãchi.

Nivaldo Rodrigues da Silva Katukina (Mame) mostra detalhe do kãchi.
Crédito: Douglas Fróis. Acervo do MAE-UFPR, em 2015.

Kãchi mostra formas como a de rono mapu, que lembra a cabeça de cobra, do tae teshe (pé de urubu) e kãchi pei (asa de morcego), entre muitas outras. Edilene Coffaci de Lima comenta sobre a coleção e as figuras:

Deixei a coleção guardada por 18 anos e agora retorno ao material na tentativa de publicizar o registro dos jogos de barbante, efetivamente desconhecidos entre as populações indígenas no Acre. Salvo engano meu, trata-se do primeiro registro entre populações indígenas no Acre e com uma diversidade grande de formas que podem realizar. Uma pessoa ensina à outra, que ensina a uma terceira e assim sucessivamente... 

O “segredo” do Kãchi Katukina em exposição


A exposição de algo que a sociedade não índia ainda não viu é uma lincagem com a coleção kãchi registrada no passado, mas também com o desejo de conhecimento mútuo:

A exposição Kãchi é resultado de uma pesquisa anterior, que teve início há 20 anos, com meus estudos de mestrado e doutorado. A exposição, de certa forma, sela uma parceria e o desejo de conhecimento mútuo. Há muito tempo Mame me solicitava vir conhecer a cidade onde moro, de ficar alguns dias por aqui, como eu mesma fiquei em sua casa.

Wisi e Mame mostram um kãchi pronto.
Crédito: Douglas Fróis. Acervo do MAE-UFPR, em 2015.

O trabalho desse material colecionado nos períodos de campo dos anos 1990 é também um novo desenho (figura/forma) que se inventa no “jogo” das relações da pesquisadora com eles?
Segundo a antropóloga:

Certamente trata-se disso, os barbantes entrelaçados podem ser uma boa metáfora para uma amizade iniciada há mais de duas décadas, e que resulta em diferentes formas. A exposição no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da UFPR talvez possa ser pensada como sua mais recente forma.


Movimento de fios e pessoas na curadoria compartilhada

Se a exposição resulta, como no kãchi, da união de profissionais da Antropologia, Museologia, Fotografia, Produção Cultural, alunos de Design, Artes Visuais, História e dois Katukinas, Mame e Wisi, além da acolhida da equipe do MAE, o que significa para a pesquisadora Edilene exercer o papel de curadora da exposição?

Acho que essa exposição pode significar muita coisa para todos nós. Salvo engano meu, trata-se, no MAE/UFPR, de uma primeira exposição onde a curadoria é compartilhada: a antropóloga (eu mesma) e dois indígenas (Mame e Wisi, pai e filho). Ao final, do que já temos trabalhado nos últimos dias, resta a certeza de que estamos todos aprendendo juntos: eu, os dois katukina, a equipe do MAE. Não existe uma receita a seguir, mas sim uma grande vontade de fazer da melhor forma, da forma mais bonita, compartilhando ideias sobre o que se pretende mostrar e a tentativa sincera de dar conta do movimento dos fios e das pessoas. No fim das contas, tem sido também bastante divertido esse aprendizado coletivo.

Exposição kãchi em Paranaguá – PR.

UFPR - Universidade Federal do Paraná, PROEC - Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UFPR e MAE - Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR (MAE), em 2015.


 A exposição Kãchi Katukina permanecerá no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da UFPR no período de 24 de abril de 2015 (inauguração às 18h) a 3 de abril de 2016 (Rua XV de Novembro, 575, em Paranaguá – PR – de terça a domingo, das 8h às 20h).
Outras Informações: (41) 3313-2042 (Curitiba) 
(41) 3721-1200 (Paranaguá).
Entrevistas, de segunda a sexta, das 9h às 17h, com:
Prof.a Dr.a Edilene Coffaci de Lima, antropóloga, pesquisa-dora e curadora da exposição: edilene@ufpr.br.
Prof.a Dr.a Márcia Cristina Rosatto, antropóloga e diretora do MAE: maert@ufpr.br.



Zélia Maria Bonamigo, jornalista, antropóloga,
membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.
zeliabonamigo@uol.com.br