PENSE DIFERENTE: CONHEÇA UM JOGO DE BARBANTE DIFERENTE
***********
KÃCHI KATUKINA DO ACRE VIRA EXPOSIÇÃO NO PARANÁ
Zélia Maria Bonamigo
Após fazer a afirmação de que “só povo Katukina sabe fazer kãchi”, jogo de barbante
conhecido em português como cama de gato, Nivaldo Rodrigues da Silva Katukina
(Mame) me explicou em entrevista que na aldeia “até criança de quatro anos já
sabe fazer kãchi, e as crianças
brincam tanto na escola quanto em casa. Não tem pessoa de outra terra indígena
nem turista que sabe brincar esse jogo como o povo Katukina”.
A entrevista foi por mim realizada após saber da chegada
de Mame e Wisi (pai e filho) na capital paranaense e de serem acolhidos por
Edilene Coffaci de Lima, doutora em Antropologia Social pela USP, professora na
UFPR e pesquisadora do CNPq. O primeiro contato da pesquisadora com o povo Katukina
começou em 1991. A antropóloga pesquisou seu modo de viver por 18 meses. Dali
por diante a sua atenção dirigiu-se ao estudo de temas que resultaram na
dissertação de mestrado, “Katukina:
história e organização social de um grupo pano do Alto Juruá” (1994), e na tese de doutorado, “Com os olhos
da serpente. Homens, animais e espíritos nas concepções Katukina sobre a
natureza” (2000).
Os estudos localizam esse povo no Acre, em duas terras
indígenas: uma é a do rio Gregório, no município de Tarauacá (AC); a outra é a
do rio Campinas, na fronteira dos estados do Amazonas e do Acre, que tem
Cruzeiro do Sul (AC) como a cidade mais próxima. A população na época era de
318 pessoas (somando as duas comunidades), atualmente é de aproximadamente 800
pessoas, indicando uma vigorosa recuperação demográfica.
“Minha aldeia utiliza muito o kãchi”
No
decorrer do tempo da pesquisa entre os Katukinas, a antropóloga foi acolhida
pela família de Nivaldo
Rodrigues da Silva Katukina (Mame), como
explica:
[...] foi morando um tempo na casa de familiares
de Mame que um dia um rapaz, sobrinho (filho da irmã) do Mame, resolveu me
mostrar um kãchi. Daí
em diante chegaram outras pessoas para me mostrar outros kãchi,
com outros desenhos, que podiam realizar.
Pouco a pouco montei uma modesta coleção, que não era sequer relacionada às
temáticas de minhas pesquisas.
O jeito
Katukina de fazer kãchi é diferente
dos outros, garante Nivaldo Rodrigues da Silva Katukina:
Na minha aldeia se utiliza muito o kãchi. Em casa mãe e filhos brincam
muito; quando chega parente de outra aldeia eles brincam muito dentro de casa.
Todos sabem kãchi na aldeia, meninos e meninas, homens e mulheres, mas
os homens jogam mais. Olha, minha mãe é muito antiga e ela sabe contar bem a historia
do kãchi. Ela ensina para todos, oralmente, com quem ela aprendeu. Tudo isso
ela conta e ensina kãchi para todos nós. São muitas as figuras que todos nós
sabemos fazer. Jovem que joga mais kãchi aprende mais de como começou a
história do kãchi.
![]() |
Nivaldo Rodrigues da Silva Katukina (Mame) mostra detalhe do kãchi.
Crédito: Douglas Fróis. Acervo do MAE-UFPR, em 2015.
|
Kãchi mostra formas como a de rono
mapu, que lembra a cabeça de cobra, do tae teshe (pé
de urubu) e kãchi pei (asa de morcego), entre muitas outras. Edilene Coffaci de Lima comenta sobre
a coleção e as figuras:
Deixei a
coleção guardada por 18 anos e agora retorno ao material na tentativa de
publicizar o registro dos jogos de barbante, efetivamente desconhecidos entre
as populações indígenas no Acre. Salvo engano meu, trata-se do primeiro
registro entre populações indígenas no Acre e com uma diversidade grande de
formas que podem realizar. Uma pessoa ensina à outra, que ensina a uma terceira
e assim sucessivamente...
O “segredo” do Kãchi Katukina em exposição
A exposição de algo que a sociedade não índia ainda não
viu é uma lincagem com a coleção kãchi
registrada no passado, mas também com o desejo de conhecimento mútuo:
A exposição Kãchi
é resultado de uma pesquisa anterior, que teve início há 20 anos, com meus
estudos de mestrado e doutorado. A exposição, de certa forma, sela uma parceria
e o desejo de conhecimento mútuo. Há
muito tempo Mame me solicitava vir conhecer a cidade onde moro, de ficar alguns
dias por aqui, como eu mesma fiquei em sua casa.
![]() |
Wisi e Mame mostram um kãchi pronto.
Crédito: Douglas Fróis. Acervo do MAE-UFPR, em 2015.
|
O trabalho desse material colecionado nos períodos de
campo dos anos 1990 é também um novo desenho (figura/forma) que se inventa no
“jogo” das relações da pesquisadora com eles?
Segundo a antropóloga:
Certamente
trata-se disso, os barbantes entrelaçados podem ser uma boa metáfora para uma
amizade iniciada há mais de duas décadas, e que resulta em diferentes formas. A
exposição no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da UFPR talvez possa ser pensada
como sua mais recente forma.
Movimento de fios e
pessoas na curadoria compartilhada
Se a exposição resulta, como
no kãchi, da união de profissionais da Antropologia, Museologia,
Fotografia, Produção Cultural, alunos de Design, Artes Visuais, História e dois
Katukinas, Mame e Wisi, além da acolhida da equipe do MAE, o que significa para
a pesquisadora Edilene exercer o papel de curadora da exposição?
Acho que essa exposição pode significar muita coisa
para todos nós. Salvo engano meu, trata-se, no MAE/UFPR, de uma primeira
exposição onde a curadoria é compartilhada: a antropóloga (eu mesma) e dois
indígenas (Mame e Wisi, pai e filho). Ao final, do que já temos trabalhado nos
últimos dias, resta a certeza de que estamos todos aprendendo juntos: eu, os
dois katukina, a equipe do MAE. Não existe uma receita a seguir, mas sim uma
grande vontade de fazer da melhor forma, da forma mais bonita, compartilhando
ideias sobre o que se pretende mostrar e a tentativa sincera de dar conta do
movimento dos fios e das pessoas. No fim das contas, tem sido também bastante
divertido esse aprendizado coletivo.
![]() |
Exposição kãchi em Paranaguá – PR.UFPR - Universidade Federal do Paraná, PROEC - Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UFPR e MAE - Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR (MAE), em 2015. |
A exposição Kãchi Katukina permanecerá no Museu de
Arqueologia e Etnologia (MAE) da UFPR no
período de 24 de abril de
2015 (inauguração às 18h) a 3 de abril de 2016 (Rua XV de Novembro, 575, em
Paranaguá – PR – de terça a domingo, das 8h às 20h).
Outras Informações: (41) 3313-2042 (Curitiba)
(41)
3721-1200 (Paranaguá).
Entrevistas, de segunda a sexta, das 9h às 17h, com:
Prof.a Dr.a Edilene Coffaci de Lima,
antropóloga, pesquisa-dora e curadora da exposição: edilene@ufpr.br.
Prof.a Dr.a Márcia Cristina Rosatto,
antropóloga e diretora do MAE: maert@ufpr.br.
Zélia Maria Bonamigo, jornalista,
antropóloga,
membro do Instituto Histórico e Geográfico
do Paraná.
zeliabonamigo@uol.com.br
.jpg)


.png)