sábado, 16 de maio de 2015

CULTURA E IMIGRAÇÃO CHINESA, UMA HISTÓRIA CONTADA POR CHINESES E CHINESAS EM CURITIBA


PENSE DIFERENTE: CONHEÇA A DIVERSIDADE DE OUTROS POVOS


Por Zélia Maria Bonamigo

O que faz um chinês ou uma chinesa deixar seu local de origem?  Quais as principais dificuldades experimentadas? Por que insistiram em permanecer no Brasil, apesar de preconceitos iniciais? Perguntas como estas são respondidas pelo livro Cultura e a longa marcha de chineses e chinesas até Curitiba, do desembargador Rubens Oliveira Fontoura.

 A partir de leituras cuidadosas sobre o passado e o presente da China, e  das entrevistas realizadas com imigrantes chineses que partiram de  Hebei, Xangai, Taiwan, Hong Kong e Moçambique,  a obra conta aspectos curiosos da vida dessas pessoas fortes, determinadas e destemidas.


Migração Chinesa para o Brasil.
Elaboração de Júlio França.

No entanto, mesmo tendo transcorridos dois anos em que o livro foi lançado, nem a comunidade chinesa nem as pessoas que estão lendo o livro deixam de fazer seus comentários positivos sobre a leitura. O lançamento ocorreu no dia 9 de fevereiro de 2013 em Curitiba, na véspera do início do Ano Novo Chinês – Ano da Serpente  e contou com a presença das comunidades chinesa e brasileira.

Naquela noite os membros da Associação Cultural Chinesa e sua diretoria, sob a presidência de Francisco Guo, distribuíram atenção aos participantes, entregaram calendários a autoridades e membros da mesa e desenvolveram o cumprimento do protocolo do evento, envolvendo jantar, referências tradicionais e sorteios de prêmios, ações devidamente documentadas pelo fotógrafo Nino Guo.


O autor Rubens Fontoura distribui autógrafos na noite do Ano Novo Chinês.
Fotos de Nino Guo Ling, em 9 de fevereiro de 2013.

A obra despertou a atenção de muitos chineses sobre o porquê Fontoura teria se interessado pelo tema. A falta de um trabalho anterior, envolvendo os itens tratados no livro, a ampliação da visibilidade chinesa e da importância de sua atuação em Curitiba, foram itens destacados pelo autor, que também trocou ideias com Lorenzo Gustavo Macagno, professor do Departamento de Antropologia e do programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que vem realizando estudos sobre temáticas, narrativas e representações árabes, africanas, asiáticas e sul-americanas e de comunidades diaspóricas.


Grupo de chineses e chinesas participantes de uma das missas com Ma Ximing (Padre Paulo)
na Paróquia Santa Bertila, em Curitiba (PR).
Foto de julieta Yon Shee, em 15 de abril de 2007.

“SE COISAS SÃO DADAS E RETRIBUÍDAS
É PORQUE SE DISTRIBUEM RESPEITOS”


O encontro das diversidades chinesa e brasileira, e as trocas de mercadorias e de dádivas ali presentes, remetem-nos a uma outra obra, Ensaio sobre a dádiva, do antropólogo Marcel Mauss (1925), sobre estudos voltados a áreas como Polinésia e Melanésia, Noroeste Americano. Naquele contexto, “as coisas têm uma personalidade, e as personalidades são, de certo modo, coisas permanentes do clã”.

Relendo Mauss para o contexto em foco, os calendários presenteados aos convidados, por exemplo, cujas imagens remetem a lugares turísticos da China, tornam-se coisas carregadas de um sentido cultural bem característico. São representações de fatos históricos, criadores de sentidos novos para as obras dos antepassados, fatos que se tornaram com o tempo “lugares mágicos”. Assim, os lugares são confundidos com os espíritos daqueles que fizeram as obras para permanecerem no tempo, e as construções se confundem com os espíritos de seus construtores.

Por outro lado, enquanto bens são trocados (vendas de livros, distribuição de prêmios, refeições e informações), são os votos de sabedoria, sorte e riquezas, partilhados na comemoração do início do ano novo chinês, que se transmitem. Fundamentalmente, é porque se desejam e se obtém tais elementos que se vive o espírito de amizade entre chineses e brasileiros.

Diz Marcel Mauss a partir do seu contexto de pesquisa: 

“Se coisas são dadas e retribuídas [...] é porque se dão e se retribuem ‘respeitos’ – podemos dizer igualmente ‘cortesias’. Mas é também porque as pessoas se dão ao dar, e, se as pessoas se dão, é porque se devem – elas e seus bens – aos outros”.

Considerando o evento da comemoração do Ano da Serpente e o lançamento do livro sobre os chineses, se as atenções dos membros da Associação Cultural Chinesa, bem como do autor Rubens Fontoura, são dadas e retribuídas, retornam respeitos e amizades. Adolescentes, jovens e adultos se interessam pelo conteúdo do livro e apresentam a cortesia da atenção e da valorização. Imigrantes mais velhos, que passaram pela experiência da “longa marcha até Curitiba”, se prontificam em apresentar novas interpretações da história de sua “marcha” para uma segunda edição.

Assim, jovens e adultos graduados e pós-graduados, chineses e brasileiros, compõem um ambiente de trocas. Famílias dos participantes do livro comentam com os pares fotos que aí testemunham despedidas, trajetos chegadas, práticas religiosas, gastronômicas e culturais em Curitiba. Destacam o passado cultural e a construção de uma vida na capital paranaense.

Michele, Dino e o filho Heitor, em dia de apresentação de Heitor à comunidade, no trigésimo dia do nascimento.
Foto de Zélia M. Bonamigo.

O Ano chinês 2014 foi o ano do cavalo e 2015 é o ano do carneiro, que simboliza paz, criatividade e serenidade.

A comemoração de cada ano novo chinês ajuda-nos a repensar que mesmo em sociedades capitalistas, como a nossa, a dádiva se faz presente. Em outras palavras, trocam-se muito mais que mercadorias.


Músicos Wu Xin Zuo, Tan Qing Zhong, Guo Zude e Zhong Wo Bang
se apresentaram em jantar de boas-vindas ao embaixador da China que visitava Curitiba.
Foto de Nino Guo Ling, em fevereiro de 2010.

Pode-se aprofundar o sentido da dádiva  em: MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: ____. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Y Naify, 2003.
Sobre a imigração chinesa: FONTOURA, Rubens Oliveira. Cultura e a longa marcha de chineses e chinesas até Curitiba. Curitiba: Edição do autor, 2012.


Zélia Maria Bonamigo, jornalista, antropóloga,
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná,
preparadora de textos para publicação.
zeliabonamigo@uol.com.br