PENSE DIFERENTE: CONHEÇA A DIVERSIDADE DE OUTROS POVOS
Por Zélia Maria Bonamigo
O que faz um chinês ou
uma chinesa deixar seu local de origem?
Quais as principais dificuldades experimentadas? Por que insistiram em permanecer
no Brasil, apesar de preconceitos iniciais? Perguntas como estas são
respondidas pelo livro Cultura e a longa
marcha de chineses e chinesas até Curitiba, do desembargador Rubens
Oliveira Fontoura.
A partir de leituras cuidadosas sobre o
passado e o presente da China, e das
entrevistas realizadas com imigrantes chineses que partiram de Hebei, Xangai, Taiwan, Hong Kong e
Moçambique, a obra conta aspectos
curiosos da vida dessas pessoas fortes, determinadas e destemidas.
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| Migração Chinesa para o Brasil. Elaboração de Júlio França. |
No entanto, mesmo tendo
transcorridos dois anos em que o livro foi lançado, nem a comunidade chinesa
nem as pessoas que estão lendo o livro deixam de fazer seus comentários
positivos sobre a leitura. O lançamento ocorreu no dia 9 de fevereiro de 2013
em Curitiba, na véspera do início do Ano Novo Chinês – Ano da Serpente e contou com a presença das comunidades
chinesa e brasileira.
Naquela noite os
membros da Associação Cultural Chinesa e sua diretoria, sob a presidência de
Francisco Guo, distribuíram atenção aos participantes, entregaram calendários a
autoridades e membros da mesa e desenvolveram o cumprimento do protocolo do
evento, envolvendo jantar, referências tradicionais e sorteios de prêmios,
ações devidamente documentadas pelo fotógrafo Nino Guo.
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| O autor Rubens Fontoura distribui autógrafos na noite do Ano Novo Chinês. Fotos de Nino Guo Ling, em 9 de fevereiro de 2013. |
A obra despertou a
atenção de muitos chineses sobre o porquê Fontoura teria se interessado pelo
tema. A falta de um trabalho anterior, envolvendo os itens tratados no livro, a
ampliação da visibilidade chinesa e da importância de sua atuação em Curitiba, foram
itens destacados pelo autor, que também trocou ideias com Lorenzo Gustavo Macagno,
professor do Departamento de Antropologia e do programa de Pós-graduação da Universidade
Federal do Paraná (UFPR), que vem realizando estudos sobre temáticas,
narrativas e representações árabes, africanas, asiáticas e sul-americanas e de
comunidades diaspóricas.
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| Grupo de chineses e chinesas participantes de uma das missas com Ma Ximing (Padre Paulo) na Paróquia Santa Bertila, em Curitiba (PR). Foto de julieta Yon Shee, em 15 de abril de 2007. |
“SE COISAS SÃO
DADAS E RETRIBUÍDAS
É PORQUE SE
DISTRIBUEM RESPEITOS”
O encontro das diversidades chinesa e brasileira,
e as trocas de mercadorias e de dádivas ali presentes, remetem-nos a uma outra
obra, Ensaio sobre a dádiva, do
antropólogo Marcel Mauss (1925), sobre estudos voltados a áreas como Polinésia e
Melanésia, Noroeste Americano. Naquele contexto, “as coisas têm uma
personalidade, e as personalidades são, de certo modo, coisas permanentes do
clã”.
Relendo Mauss para o contexto em foco, os
calendários presenteados aos convidados, por exemplo, cujas imagens remetem a
lugares turísticos da China, tornam-se coisas carregadas de um sentido cultural
bem característico. São representações de fatos históricos, criadores de sentidos
novos para as obras dos antepassados, fatos que se tornaram com o tempo “lugares
mágicos”. Assim, os lugares são confundidos com os espíritos daqueles que
fizeram as obras para permanecerem no tempo, e as construções se confundem com os
espíritos de seus construtores.
Por outro lado, enquanto bens são trocados
(vendas de livros, distribuição de prêmios, refeições e informações), são os votos
de sabedoria, sorte e riquezas, partilhados na comemoração do início do ano
novo chinês, que se transmitem. Fundamentalmente, é porque se desejam e se
obtém tais elementos que se vive o espírito de amizade entre chineses e
brasileiros.
Diz Marcel Mauss a partir do seu contexto de
pesquisa:
“Se coisas são dadas e retribuídas [...] é porque se dão e se
retribuem ‘respeitos’ – podemos dizer igualmente ‘cortesias’. Mas é também
porque as pessoas se dão ao dar, e, se as pessoas se dão, é
porque se devem – elas e seus bens – aos outros”.
Considerando o evento da comemoração do Ano da
Serpente e o lançamento do livro sobre os chineses, se as atenções dos membros
da Associação Cultural Chinesa, bem como do autor Rubens Fontoura, são dadas e
retribuídas, retornam respeitos e amizades. Adolescentes, jovens e
adultos se interessam pelo conteúdo do livro e apresentam a cortesia da atenção
e da valorização. Imigrantes mais velhos, que passaram pela experiência da
“longa marcha até Curitiba”, se prontificam em apresentar novas interpretações
da história de sua “marcha” para uma segunda edição.
Assim, jovens e adultos
graduados e pós-graduados, chineses e brasileiros, compõem um ambiente de
trocas. Famílias dos participantes do livro comentam com os pares fotos que aí
testemunham despedidas, trajetos chegadas, práticas religiosas, gastronômicas e
culturais em Curitiba. Destacam o passado cultural e a construção de uma vida
na capital paranaense.
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| Michele, Dino e o filho Heitor, em dia de apresentação de Heitor à comunidade, no trigésimo dia do nascimento. Foto de Zélia M. Bonamigo. |
O Ano chinês 2014 foi o
ano do cavalo e 2015 é o ano do carneiro, que simboliza paz, criatividade e
serenidade.
A comemoração de cada
ano novo chinês ajuda-nos a repensar que mesmo em sociedades capitalistas, como
a nossa, a dádiva se faz presente. Em outras palavras, trocam-se muito mais que
mercadorias.
| Músicos Wu Xin Zuo, Tan Qing Zhong, Guo Zude e Zhong Wo Bang se apresentaram em jantar de boas-vindas ao embaixador da China que visitava Curitiba. Foto de Nino Guo Ling, em fevereiro de 2010. |
Pode-se aprofundar o sentido
da dádiva em: MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva:
forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: ____. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Y Naify, 2003.
Sobre a imigração
chinesa: FONTOURA, Rubens Oliveira. Cultura
e a longa marcha de chineses e chinesas até Curitiba. Curitiba: Edição do
autor, 2012.
Zélia
Maria Bonamigo, jornalista, antropóloga,
Membro
do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná,
preparadora
de textos para publicação.
zeliabonamigo@uol.com.br



