COMUNIDADE INDÍGENA CHEGA POR LIVRO
AO COLÉGIO ESTADUAL JOSÉ PIOLI, NO PARANÁ
Por Zélia Maria Bonamigo
Depois de realizar uma pesquisa sobre a vida
de índios e índias Mbya Guaranis, na ilha da Cotinga, em Paranaguá (PR), o que
mais almejava era fazer a pesquisa voltar para a sociedade não índia, como uma
dívida que passei a ter com aqueles que se dispuseram a colaborar com minha
pesquisa e por causa da confiança depositada em mim pela nossa sociedade mediante
o mestrado em antropologia social da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Lembro-me bem daquele dia quente, no horário
do almoço, em Paranaguá, quando pude ver pela primeira vez alguns índios perto
do Mercado do Café. Na infância eu tinha lido muitas histórias envolvendo
grupos indígenas e minha fantasia potencializava aquelas imagens de pessoas
nuas com grandes arcos e flechas vivendo na floresta.
Embora naquele dia eu não estivesse
interessada em distinguir aquele grupo indígena de outros que haviam feito
parte de minhas leituras, de cara os Mbya Guaranis me comunicaram sua essência
ao me convidarem com meu esposo, Jorge, a visitá-los na ilha da Cotinga. Depois
fui entender porque a visitação é tão importante no interior da aldeia...
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| Familia de Darci e Isolina faz arte em madeira na ilha da Cotinga, em Paranaguá (PR). Foto de Zélia M.Bonamigo (2005) |
Promessa cumprida, longo tempo de pesquisa no
decorrer do mestrado e um livro nasceu dessa convivência, conforme aliança que
fiz com o pajé Cristino, ao me dizer: “Tudo o que você está escrevendo deve
virar um livro”. Eles haviam tido, anteriormente, a experiência da escrita de
outro livro, “Quem mata índio”, do médico dr. Moysés Paciornik, e desejavam que
a minha pesquisa também se tornasse livro para falar do seu modo de ser. Assim
teriam uma nova forma de responder às perguntas feitas por turistas e
pesquisadores, que são mais ou menos assim: Como é a vida de vocês? Como vocês
se vestem quando estão sozinhos na aldeia? Qual sua crença? Vocês têm outras
comunidades? Comem os mesmos alimentos que nós? O que acham da sociedade não
índia?, entre outros.
Pois bem, o livro foi lançado, em 2009, pela
Secretaria de Estado da Cultura (SEEC), e distribuído nas bibliotecas das
escolas estaduais e Biblioteca Pública do Paraná, entre outras, e volta e meia
fico sabendo que alunos de cursos universitários estudam alguns de seus capítulos,
ou alunos do ensino médio ficam conhecendo sua vida, como aconteceu
recentemente.
Um dia desses, Jorge me contou que um professor
de história, colega dele, chamado Alessandro Cavassin Alves, mencionou um
trabalho feito com alunos do 2.0 ano do ensino médio no Colégio
Estadual José Pioli, em Itaperuçu, região metropolitana de Curitiba, e que
achou interessante a etnografia. Então quis conversar com ele para saber da
repercussão que aquele estudo trouxe à sua leitura e naquela dos jovens de 15/16
anos. Uma coisa é você viver por algum
tempo em uma comunidade indígena, em uma ilha, outra coisa é ouvir o retorno de
alunos jovens e com outro estilo de vida, ao lerem aquilo que a comunidade
indígena quis transmitir sobre si própria.
| Professor Alessandro Cavassin Alves, em Curitiba (PR). Foto de Jorge Antonio de Queiroz e Silva, em 2015. |
O professor Alessandro Cavassin Alves me
disse que lhe chamou especial atenção “a forma como a etnografia foi realizada
e os aspectos culturais da lógica daquelas pessoas”. E, ainda:
Este livro demonstra a vida deles nos dias atuais. Sua localização, nossos vizinhos. Neste sentido é uma referência sobre o tema. E com os alunos, a partir dessa referência, ao comentar os diferentes tipos de cultura e, sobre a história do Paraná, citei partes da obra ‘A economia dos Mbya Guaranis: troca entre homens e entre deuses e homens da ilha da Cotinga, em Paranaguá (PR)’ (2009), de modo especial a questão das trocas, da morte, entre outros.
Temas como a lógica Mbya Guarani, a
morte e, principalmente, das trocas também me impressionaram muito no decorrer
da pesquisa. E passei a compreender outra forma de pensar e organizar o mundo, uma
vez que no Universo todas as formas de vida dialogam e os Mbya Guaranis, a
partir de sua religião, organizam a vida na aldeia de modo que as diferentes espécies
de vida dialoguem entre si e com os deuses. Por isso o título do livro, tão
sabiamente sugerido pela minha orientadora, professora Edilene Coffaci de Lima,
e por isso a palavra economia, que trouxe para o livro outra forma de entender
poupanças, investimentos e trocas, alternativas ao modo de ver capitalista.
E como os alunos do 2.0 ano
do ensino médio responderam à iniciativa do professor Alves?
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| Casa típica do pajé Cristino na ilha da Cotinga, em Paranaguá (PR). Foto de Zélia Maria Bonamigo, em 2004. |
Ele me disse que achou positivo “levar
o exemplo dessa pesquisa para a sala de aula porque é uma etnografia, uma
cultura distante e próxima ao mesmo tempo”.
Concordo, é uma forma de viver suas
tradições, que nos parecem familiares, mas ao mesmo tempo percebemos que por
trás daquilo que parecem semelhanças de sua vida com a nossa existem segredos
culturais jamais revelados para outros grupos não indígenas, mesmo que nos
convençam de que devemos nos sentir importantes por ouvi-los contar-nos alguns
poucos “segredos”. E nos sentimos, pela Diversidade.
Mas no ensino médio os professores não
podem se demorar muito com um mesmo tema, no caso do professor Cavassin foram
apenas algumas horas em duas semanas. No entanto, me disse que “despertou nos
alunos a curiosidade, a busca para entender melhor o outro”, algo que pode se
tornar, quem sabe, um projeto novo mais adiante.
Isso é que o professor Alessandro me
disse esperar: “Acredito muito que temos que fazer algo pelas comunidades
indígenas, nem que seja apenas conhecê-las melhor bibliograficamente”, que eu considero
um grande projeto, pois quem tem hoje informação sobre uma comunidade indígena
amanhã poderá transformar essa informação em conhecimento mediante pesquisas,
que terei imensa alegria de ler.
O trabalho do
professor Alessandro me lembra outro, da professora Ângela Alencar, em 2013, desenvolvido
com o apoio de Andreia Peteck e Daisy Iara, o Projeto Didático Cotidiano
Indígena, do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, na Escola
Municipal Julita Alves Soares em Jussara (PR).
Por ocasião de uma
visita que Jorge e eu fizemos à escola, em novembro de 2014, sendo Joaquim B.
de Souza nosso anfitrião, ela me relatou sua experiência.
E ao lhe perguntar
como conseguiu trabalhar capítulos do livro com crianças pequenas (1.0 ano),
ela me respondeu ter se admirado pela forma como as crianças entenderam bem a
mensagem, que foi veiculada por diversos recursos pedagógicos, e mostraram em
seus desenhos do que mais gostaram, a exemplo dos tipos das casas indígenas, da
alimentação deles e de como vivem com seus pais e irmãos, o que foi por mim
considerado um trabalho educacional maravilhoso.
Quem quiser conhecer mais vai encontrar
o livro, em Curitiba, nas livrarias do Chain, do Paço, Curitiba e por meu e-mail.
Boa leitura a todos e parabéns ao
trabalho do professor Alessandro, da professora Ângela Alencar, aos educadores
e educadoras de suas respectivas escolas.
Zélia Maria Bonamigo
é jornalista, antropóloga,
membro do Instituto
Histórico e Geográfico do Paraná,
palestrante de temas
indígenas
e preparadora de
livros para publicação.
zeliabonamigo@uol.com.br

