“Cada ser possui valor
intrínseco, independente do uso que fazemos dele. Ele representa uma emergência
daquela Energia de fundo, como dizem os cosmólogos, ou daquele Abismo gerador
de todos os seres.”
Leonardo Boff
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A
ética da sociedade dominante no mundo é utilitarista e antropocêntrica. Quer
dizer: ilusoriamente considera que os seres da natureza somente possuem razão
de existir na medida em que servem ao ser humano e que este pode dispor deles a
seu bel-prazer. Ele comparece como rei e rainha da criação.
A
tradição judaico-cristão reforçou esta idéia com o seu “subjugai a Terra e
dominai sobre tudo o que vive e se move sobre ela”(Gn 1,28).
Mal
sabemos que, nós humanos, fomos um dos últimos seres a entrar no teatro da
criação. Quando 99,98% de tudo já estava pronto, surgimos nós. O universo,
a Terra e os ecossistemas não precisaram de nós para se organizarem e
ordenarem sua majestática complexidade e beleza.
Cada
ser possui valor intrínseco, independente do uso que fazemos dele. Ele
representa uma emergência daquela Energia de fundo, como dizem os cosmólogos,
ou daquele Abismo gerador de todos os seres. Tem algo a revelar que só ele o
pode fazer, mesmo o menos adaptado, que em seguida, pela seleção natural,
desaparecerá para sempre. Mas a nós cabe escutar e celebrar a mensagem que nos
tem a revelar. [...]
O
fato é que nós entramos no processo da evolução quando esta alcançou um patamar
altíssimo de complexidade. Então irrompeu a vida humana consciente e livre como
um subcapítulo da vida. Por nós o universo chegou à consciência de si mesmo. E
isso ocorreu numa minúscula parte do universo que é a Terra. Por isso nós somos
aquela porção da Terra que sente, ama, pensa, cuida e venera. Somos Terra
que anda, como diz o cantador indígena argentino Atauhalpa Yupanqui.
A
nossa missão específica, nosso lugar no conjunto dos seres, é o de sermos
aqueles que podem apreciar a grandeur do
universo, escutar as mensagens que cada ser enuncia e celebrar a diversidade
dos seres e da vida.
E
pelo fato de sermos portadores de sensibilidade e de inteligência temos uma
missão ética: de cuidar da criação e de sermos os guardiães dela para que
continue com vitalidade e integridade e com as condições de ainda evoluir já
que está evoluindo há 4,4 bilhões de anos. [...]
Lamentavelmente
estamos cumprindo mal esta nossa missão, pois no dizer do biólogo E. Wilson
“a humanidade é a primeira espécie da história da vida a se tornar uma força
geofísica; o ser humano, esse ser bípede, tão cabeça-de-vento, já alterou a
atmosfera e o clima do planeta, desviando-os em muito das normas usuais; já
espalhou milhares de substâncias químicas tóxicas pelo mundo inteiro e estamos
perto de esgotar a água potável”(A Criação: como
salvar a vida na Terra, 2008, 38).
Pesaroso
face a um quadro desses e sob a ameaça de um apocalipse nuclear se perguntava o
grande filósofo italiano, do direito e da democracia, Norberto Bobbio:”a
humanidade merece ainda ser salva”(Il Foglio n.
409, 2014, 3)?
Se
não quisermos ser expulsos da Terra pela própria Terra, como os inimigos da
vida, cumpre mudar nosso comportamento face à natureza, mas principalmente
acolher a Terra como a ONU já em abril de 2009 o aceitou, como Mãe Terra e como
tal cuidá-la, reconhecer e respeitar a história de cada ser, vivo ou inerte.
Existiram antes de nós e por milhões e milhões de anos sem nós. Por esta razão
devem ser respeitados como o fazemos com as pessoas mais idosas e as tratamos
com respeito e amor. Mais que nós, eles têm direito ao presente e ao
futuro junto conosco.
Caso
contrário não há tecnologia e promessas de progresso ilimitado que nos poderão
salvar.